Fale-nos um pouco de si e da sua história de vida.
Venho de uma família pobre, por isso comecei a trabalhar no setor bancário enquanto ainda estava na universidade. O meu plano era combinar uma carreira comercial com atividade social, para o benefício do povo. Desde que o ex-presidente Yanukovych começou a construir uma estrutura vertical centralizada e a suprimir quaisquer atividades cívicas descontroladas, concentrei-me inteiramente na proteção dos direitos humanos. Embora tenha um diploma de Direito, é preciso dominar uma grande variedade de aptidões e competências para ser um defensor dos direitos humanos na Ucrânia. Trabalho no campo da proteção dos direitos humanos há mais de 20 anos. Quando era estudante, organizava vários seminários educativos sobre direitos humanos e autoproteção. Agora, estou a documentar os crimes de guerra, a fim de responsabilizar Putin e outros criminosos de guerra russos.
Quais foram os motivos que a levaram a tornar-se ativista? Houve algum momento específico que o tenha potenciado?
Os dissidentes ucranianos, que em tempos lutaram contra o regime soviético, tiveram um grande impacto no meu percurso de vida. Nessa altura, quando estava na escola, conheci Yevhen Sverstiuk, um filósofo, autor e prisioneiro político. Ele tomou conta de mim e apresentou-me ao grupo de dissidentes. Eram pessoas honestas, que diziam o que pensavam e viviam da maneira que diziam que deviam. Ele e outros dissidentes ensinaram-me que, mesmo que não haja outros meios para lutar contra a injustiça, a própria palavra e a postura pessoal estão sempre connosco. Afinal, não é assim tão pouco.
Quais são as principais causas que defende?
Lutamos pela liberdade e pelo direito de ter a nossa própria escolha democrática. Estes são os nossos valores. Se considerarmos qualquer das sondagens sociológicas feitas nos últimos anos, podemos ver que os ucranianos sempre apontaram a liberdade como uma prioridade. Também lutamos pelas pessoas. Nunca os abandonaremos para morrer ou sofrer torturas em territórios ocupados.
É uma advogada especializada em diretos humanos e líder do Centro de Liberdades Civis. Qual é a missão da organização que coordena?
O Centro de Liberdades Civis foi fundado em 2007. O nome diz tudo: defendemos as liberdades civis, tais como a liberdade de expressão, a liberdade de reunião pacífica, a liberdade contra a tortura, e assim por diante. Respondemos sempre de forma flexível aos desafios causados pelas mudanças de circunstâncias. Devemos todos os resultados que conseguimos ao grande número de pessoas comuns que se juntam às nossas iniciativas e campanhas. Sei, de facto, que, se não podemos contar com instrumentos legais eficazes, podemos sempre contar com as pessoas comuns.
Qual tem sido o papel do Centro de Liberdades Civis perante a onda de refugiados ucranianos?
Tenho comunicado pessoalmente com uma centena de pessoas que sobreviveram ao cativeiro russo. Descreveram a forma como foram espancadas, violadas e torturadas eletricamente nos seus genitais, como as suas unhas foram arrancadas, os joelhos perfurados e foram forçadas a usar o próprio sangue para escrever. Uma senhora descreveu a forma como o seu olho tinha sido arrancado com uma colher. Desde a invasão russa em grande escala, no ano passado, fomos confrontados com uma quantidade sem precedentes de crimes de guerra. Em apenas 10 meses, os nossos esforços conjuntos têm documentado 31.000 episódios de crimes de guerra.
Foi distinguida com o Nobel da Paz, juntamente com um ativista bielorrusso e uma ONG russa. Como resultado do bombardeamento das infraestruturas energéticas da Ucrânia, Oleksandra viu-se obrigada a escrever o seu discurso de aceitação do Nobel à luz de velas. Nesse momento, quer partilhar o que sentiu?
A invasão russa em grande escala rompeu por completo a noção de «vida normal». A guerra impõe a sua própria medição do tempo, espaço e dor humana. Estamos a viver uma vida de ameaça permanente, porque não há como fugir aos mísseis russos. É uma vida de total incerteza, sendo impossível planear o dia ou mesmo as próximas horas, porque os ataques aéreos, os cortes de eletricidade ou de Internet ocorrem de forma imprevisível. Senti responsabilidade ao escrever o meu discurso de aceitação do Prémio Nobel. Não sei se as palavras têm o poder de parar as guerras, mas desejo que as pessoas, tanto na Ucrânia, como em todos os outros países do mundo, nunca tenham de passar pela mesma experiência que nós.
«Só a justiça pode devolver às pessoas os seus nomes»