Villas&Golfe Angola
· Música · · T. Joana Rebelo · F. Direitos Reservados

Yola Semedo

«Temos o dever de apoiar para que a nossa cultura não morra»

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Sonhava um dia ser veterinária, mas o destino trocou-lhe as voltas e apresentou-lhe a música. Nasceu no seio de uma família com fortes tradições musicais e rapidamente se tornou uma menina-mulher, enfrentando grandes palcos e multidões. Eis Yola Semedo, a cantora de sangue angolano. Entre vivências e sacrifícios, a artista revela a difícil fase de transição para o mundo adulto, com apenas 7 anos. As brincadeiras tiveram de ficar para trás, em detrimento de uma carreira promissora na indústria musical. Com 44 anos, Yola reflete sobre a sua experiência pessoal e profissional, evidenciando a necessidade de urgentes mudanças em Angola. 

Nasceu no Lobito, tem 44 anos e é filha de professores de música. O que mais poderá revelar-nos sobre si?
Eu sou uma mulher com muitos sonhos e desejos. Todos os dias luto para tentar concretizá-los. Um facto que os meus fãs não sabem sobre mim é que um dos meus grandes sonhos era ser veterinária. Gosto muito de animais e cresci rodeada deles, sempre lhes tive muito amor. 

Soube, desde cedo, que o destino a cruzaria com a música?
Sim, porque eu faço parte de uma família de músicos. Então, nasci num lar em que a música faz parte do dia a dia. Música é parte da tradição familiar e acredito que os meus irmãos Semedo vão sempre tentar levar essa musicalidade, aprendida desde tenra idade, para a vida das famílias.  

Entrou na indústria musical com 7 anos. Foi difícil lidar com a pressão e a responsabilidade numa idade tão jovem?
Sim, foi difícil. Com 7 anos, a perceção que tinha sobre o mundo adulto não era real. Desde pequena que me lembro de cantar para pessoas mais velhas, portanto fui obrigada a lidar também com uma faixa etária acima da minha. Tive, por isso, de aprender a conciliar a minha vida quotidiana. O que eu mais queria era brincar e tive de deixar as brincadeiras de parte para me preparar para subir ao palco e tocar para muita gente. Foi muito difícil. 

Uma carreira a solo foi, desde o princípio, o que ambicionou?
Não. Como faço parte de uma família de artistas, reparava que lidar com a música nem sempre era um mar de rosas. Observava os meus irmãos, que não podiam brincar ou quase ter vidas próprias porque era tudo cronometrado. Havia horários que exigiam uma disciplina rigorosa. Às vezes «apanhávamos» para entender as coisas, o que era normal. Hoje, sei que valeu a pena toda a palmada que recebi, não só por causa da música, mas também como forma de me educar, tornando-me uma mulher mais sólida e preparada para a vida. No início, não quis ser artista, mas, como cresci com a música, não tive a oportunidade de saber o que é a vida sem ela. Sempre quis ser veterinária ou astronauta, mas cantora não.  

«Sempre quis ser veterinária ou astronauta, mas cantora não»

Que mensagens pretende transmitir através do seu trabalho?
Positivismo, sempre. Tento também contar um bocadinho das minhas vivências e das histórias das pessoas que me rodeiam. Eu, particularmente, baseio a minha musicalidade na vida quotidiana, na vida à minha volta, e não só na atitude do ser humano, como também no vento, no mar, no pôr do sol, na lua... Elementos de inspiração para escrever e criar uma melodia.

Na fase da composição, o que mais a inspira?
Depende. Como letrista, o que me leva a escrever é o sentimento que predomina no momento. Tento conciliar o que a minha mente pensa com o que o coração decifra e, a partir daí, criar harmonia melódica. No fundo, inspiro-me na vida quotidiana. Acredito que todos os compositores se baseiam na vontade e na necessidade de criar músicas que possam servir de reflexão e inspiração, contando histórias nas quais as pessoas se possam rever.

Qual é o segredo para o êxito?
Nenhum humano consegue decifrar o segredo. Trata-se de dinâmicas diferentes, mas podemos, sim, falar em trabalho árduo. Mencionar a importância de atribuir valor a cada passo e detalhe e não ter medo da perfeição. Por mais que tentemos, é impossível alcançá-la. Portanto, se fizermos tudo com primor e nos dedicarmos de alma, acaba tudo por se encaixar. Este pode ser um dos fatores que conduz à descoberta do segredo para o sucesso. 

Antes de subir ao palco, tem algum ritual que invoca a sorte?
Sim. Sou cristã e, portanto, não consigo abrir um concerto sem fazer uma oração e conversar com Deus. No fundo, a força que tenho para vencer nutre dele. Não é fácil subir ao palco e ter milhares de pessoas a olharem para mim. O normal seria perder a voz e ficar encabulada. É realmente uma força divina, sou muito grata. 

Até hoje, qual foi a canção que mais marcou a sua vida?
São várias. São 44 anos a ouvir e a beber música de outras culturas e, conforme a vida se desenrola, entendo tudo de forma diferente. Uma das músicas que me marcou foi a Verdade Chinesa, de Emílio Santiago, cuja letra, lá está, com a minha idade, consigo entender melhor, revendo-me nela. Destaco também a Filho Meu, a música que escrevi para o meu filho, depois de ele nascer. Quando me tornei mãe, comecei a olhar para a vida de forma diferente e as coisas mais simples tornaram-se as mais bonitas.  

Ainda tem sonhos por realizar?
Sim, tenho. Enquanto estiver viva, Deus dar-me-á a oportunidade de sonhar. Peço-lhe para me dar a força e a capacidade para materializar o máximo de sonhos possíveis. Podemos ter milhares de sonhos todos os dias, e, por isso, quando realizo uns, nascem outros. 

Complete. A música angolana é...
Alegria. Foram raras as vezes em que estive ao lado de pessoas em que a musicalidade angolana, cheia de ritmo, não tenha produzido um efeito em, pelo menos, um músculo do corpo.

Atualmente, do que carece a indústria musical do país?
Carece de tudo um pouco, mas, principalmente, das bases fundamentais para garantir um musicólogo saudável. Há falta de educação musical e, agora, dirijo-me às instituições escolares, para que possam transmitir a vertente da teoria musical. Sem ela, sentimo-nos lesados no que concerne à composição lírica. Mesmo servindo-nos da nossa vida quotidiana, temos de saber implementar os elementos da teoria musical. O país requer, ainda, fábricas de CDs, de meios que tornem mais fácil a gravação de músicas... Claro que nem todo o mundo tem a mesma capacidade financeira, e isso pesa muito. Mas, de facto, a musicalidade que tiramos não é a melhor, fazendo com que a nossa praça sofra. O mundo, a tecnologia e o tempo não esperam por ninguém. Em vez de se dar o próximo «passo», para que possamos progredir com o melhor mérito, ficamos parados no tempo por falta de mecanismos que absorvam o melhor que cada um de nós tem para apresentar musicalmente, e não só.

«Sempre quis ser veterinária ou astronauta, mas cantora não»

Considera que a música angolana tem registado maior afirmação no mundo?
Parece-me que sim. Pelo menos, o mundo já sabe que existe Angola e músicos que têm trabalhado arduamente para dignificar a sua terra e fazer valer a sua mestria. Sinto-me é preocupada porque, por mais que tentemos fazer, não conseguimos sozinhos. O meu maior receio é que chegue uma altura em que o que é possível fazermos individualmente já não seja suficiente. Precisamos de apoio e de incentivo para o fazer. Deixa-me triste notar que vários estilos nacionais estão a perder o seu espaço e brilho por culpa da falta de apoio dentro da nossa terra. As instituições grandes patrocinam mais rápido os músicos estrangeiros do que um músico angolano, que quer passar o testemunho para os mais novos, para que não continuem a abraçar só aquilo que vem de fora e não representa a nossa cultura. Precisamos de olhar para aqueles que têm a essência da cultura e o ritmo angolano. Temos o dever de apoiar para que a nossa cultura não morra. É bonito ver aquilo que conseguimos fazer lá fora, mas de nada vai adiantar se aqui dentro não tivermos as coisas delineadas, isto é, se não valorizarmos aquilo que é verdadeiramente nosso. Há espaço para tudo e para todos. Não nos podemos tornar numa nação em que a cultura só vale a pena se for comercial. Assim, perderemos os hábitos e costumes e aquilo que é a nossa essência.

Como consegue manter-se no topo durante tanto tempo neste que é um mercado tão competitivo?
Com trabalho árduo. Não olhar à expectativa de ganhar e vencer. O que me mantém no mercado é o amor que tenho pela arte, o facto de a música fazer parte do meu ser e o respeito que tenho à minha cultural, que abraço sempre. Quero muito que as nossas tradições brilhem. Tento beber o máximo possível do que os nossos antepassados nos deixaram, daquilo que a minha família me passa e do que vejo no dia a dia. Resumindo, abraço a minha realidade. O que me for possível fazer, fá-lo-ei com toda a mestria. 

Se pudesse deixar uma mensagem às mulheres do seu país e do mundo, qual seria?
Vivam intensamente. Acredito que Deus fez um plano para cada uma de nós. Respeitem e sejam respeitadas, o que só é possível se valorizarem o tempo que Deus vos dá. Somos todas especiais e importantes para o mundo, caso contrário não estaríamos aqui. Sejam felizes, lembrando que a felicidade depende da qualidade dos vossos pensamentos e escolhas. 

Celebramos o 13.º aniversário da revista Villas&Golfe, em Angola. O que representaram, para si, estes últimos anos na sua vida e no país?
Progresso, independentemente das dificuldades que Angola tenha. As edições da Villas&Golfe espelham esse progresso. Reparo que a equipa da revista dá o seu máximo para o crescimento de Angola, mostrando aquilo que deve ser exportado para o mundo, coisas boas e positivas. Incentiva, no fundo, a que o exterior olhe para Angola com outros olhos. O facto de existir uma revista que reflete a qualidade de vida que podemos ter cá é uma mais-valia. Desejo-vos longos anos de vida, muita força e que tenham a sabedoria e capacidade de fazer crescer cada vez mais a revista e que, com ela, venha todo o desenvolvimento de que a nossa gente precisa. Obrigada por existirem e pelos vossos ensinamentos.
T. Joana Rebelo
F. Direitos Reservados