Villas&Golfe Angola
· Arquitetura · · T. Joana Rebelo · F. Direitos Reservados

Paula Nascimento

«Carrego Angola em tudo o que faço»

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Vinda do seio de uma família que lutou pela independência do país, Paula Nascimento é a mais nova de quatro irmãos. Com os seus 41 anos, já viveu em Luanda, Lisboa e Londres, acabando por regressar definitivamente à sua terra natal em 2010. A determinação está-lhe nos genes, prova disso é o currículo extenso que a curadora reúne. Estudou na escola de arquitetura mais antiga do Reino Unido e, mais tarde, trabalhou no atelier Siza Vieira e noutros ateliers em Londres. De mãos dadas com a arte contemporânea, Paula continua a traçar o seu caminho com muitos projetos em curso e outros tantos em vista, a descobrir nas próximas linhas. 

Fale-nos das suas origens.
Nasci em Luanda em 1981, numa família, tanto do lado paterno como materno, engajada nos processos de luta pela independência. Sou a mais nova de quatro irmãos, vivi e cresci em Luanda até aos 11 anos, idade em que fui estudar para Lisboa. Depois do secundário, mudei-me para Londres, onde fiz os estudos superiores, tendo regressado definitivamente a Luanda em 2010.

Entre a arquitetura e a curadoria, tem alcançado prestígio internacional. Quando se apercebeu de que queria enveredar por estas áreas?
Sempre gostei das artes e de desenhar. Desde criança que quis estudar arquitetura. E, de certa forma, toda a minha educação foi dirigida para esse campo. A curadoria surge muito mais tarde, de forma quase acidental, como expansão da prática no campo da arquitetura. 

De algum modo, os seus pais tiveram influência na sua vocação?
Os meus pais sempre me deram, a mim e aos meus irmãos, liberdade para escolher o que quiséssemos seguir. Portanto, sempre apoiaram a minha decisão de estudar arquitetura, assim como as escolhas subsequentes. 

O currículo da Paula é extenso. Já passou pela London South Bank University...
Sim, estudei lá, mas antes disso estive na Architectural Association School of Architecture (AA), onde fiz o foundation (ano zero) e o meu BA (Hons, equivalente à licenciatura). A AA é a mais antiga escola de arquitetura independente do Reino Unido e, na época em que lá estive, era uma escola muito experimental, com um viés artístico muito forte e internacional. Aí, tive a oportunidade de interagir com alunos de diversos locais e de estudar com tutores diferentes e sob um sistema flexível, em que o aluno era praticamente responsável pelo seu percurso. Estudei arquitetura sob o âmbito da fotografia, cinema, escrita e, por isso, foi uma experiência que teve um papel importante na minha formação e na forma como fui desenvolvendo a minha carreira. Muitos dos meus colaboradores, colegas e parceiros profissionais são deste período. Depois, estive um ano no atelier do Siza Vieira, tendo colaborado no projeto de requalificação da Cidade Velha em Cabo Verde, e trabalhei noutros ateliers em Londres, antes de regressar a Luanda. 

«Nasci (...) numa família (...) engajada nos processos de luta pela independência»

A sua veia artística passa pelo movimento de sublevação cultural pan-africana. Consegue falar-nos um pouco sobre isso?
Eu trabalho com arte contemporânea feita em África e na diáspora, mas não só. Naturalmente que é um contexto em que ainda há muito a ser feito, especialmente em Angola e noutros países de expressão portuguesa, mas a minha prática existe em largo contexto com diversos curadores e artistas.
Nos últimos 15 a 20 anos, tem havido uma atenção maior da produção contemporânea no continente, muito por obra de curadores, artistas e de eventos como a Feira 1:54, entre outros, tanto no continente (como bienais e feiras de arte), como a nível internacional. Ainda assim, durante muito tempo, quando se falava em arte africana relegava-se, imediatamente, o discurso para artes clássicas (máscaras e estatuetas), quase como se não houvesse outro tipo de produção; e, recentemente, há interesse e procura pelas artes moderna e contemporânea, que também passam a ser mais bem entendidas. Então, e em vários casos, para muitos curadores que trabalham no campo da arte contemporânea, há uma dupla função de tornar visíveis estas outras «histórias da arte» mais marginalizadas, através da pesquisa, publicações e exposições; e também de tentar achar outros paradigmas e terminologias que reflitam a complexidade da produção artística no continente, bem como a sua relação com outros espaços; e, principalmente, que não se acabe por homogeneizar a produção de um continente tão diverso. 

Que projetos se encontra a desenvolver, no momento?
Neste momento, tenho vários projetos em curso. Estou a preparar duas exposições de cariz mais experimental e multidisciplinar: uma para uma galeria de arte europeia e outra destinada a um espaço-projeto em Nova Iorque, com artistas jovens e dentro de algumas temáticas sobre as quais tenho vindo a debruçar-me. Ambas para o início do próximo ano. Para além disso, tenho desenvolvido uma longa relação com a Bienal de Lubumbashi (sou curadora associada da 7.ª Bienal, que aconteceu este ano)e faço a direção artística da Nesr Art Foundation, um novo projeto de residências artísticas para artistas emergentes em Luanda. Para além disso, tenho alguns projetos de pesquisa e também editoriais, que vou desenvolvendo em paralelo a outras atividades.
Qual a mensagem que pretende transmitir através dos seus trabalhos?
Enquanto curadora, tenho o privilégio de poder articular temas aparentemente díspares e, com isto, estimular reflexões ou novos olhares sobre determinadas temáticas. Interesso-me por leituras contemporâneas da História, por reflexões sobre as cidades pós-coloniais e pela complexidade da construção das identidades. Então, é uma construção intelectual que se debruça sobre diversas perspetivas e questões relevantes do hoje e agora, através de colaborações e de leituras de artistas. Os curadores desenvolvem e propõem formas através das quais objetos, arquivos e obras de arte podem ser lidos e interpretados, por meio de pesquisa, exposições, publicações, eventos, apresentações audiovisuais, entre outros, acabando também por contar histórias. Para mim, e tendo um background em arquitetura, espaço (físico e social) e forma, a maneira como o projeto expositivo responde a determinado lugar acaba por ter um papel preponderante no meu trabalho. 

Considera-se uma embaixadora de Angola?
Não necessariamente. Sou angolana, trabalho bastante com artistas angolanos, e não só, e carrego Angola em tudo o que faço. Porém, não me considero uma embaixadora. 

«Há ainda uma grande discrepância, em termos de visibilidade e reconhecimento, de artistas mulheres em relação a homens»

Acha que o país tem talentos que mereciam maior reconhecimento?
Naturalmente que sim. 

Alguma vez foi vítima de discriminação, ao longo da sua carreira profissional?
Já passei por diversas situações, mas nada que tenha sido uma grande influência no desenvolvimento da minha carreira.  

Costuma viajar bastante por diferentes culturas. Para si, em que país se vive e sente mais a Arte?
É impossível escolher um. Penso que cada contexto é distinto e tem as suas especificidades. Há países que têm um setor mais estruturado e outros menos e, por vezes, isso tem impacto na qualidade do que se vê e se consome. Mas é difícil escolher apenas um país. 

A mulher angolana tem um papel relevante no mundo artístico?
Tem, sim. No mundo da arte (moderna e contemporânea, e não só em Angola), há ainda uma grande discrepância, em termos de visibilidade e reconhecimento de artistas mulheres em relação a homens. Mas esta é uma pauta que está em constante discussão e evolução. 

Celebramos o 13.º aniversário da Villas&Golfe, em Angola. O que representaram, para si, estes últimos anos na sua vida e na do país?
É praticamente o tempo em que regressei a Luanda, depois de viver muito tempo fora e, portanto, tem sido uma jornada de descobertas, transformações e crescimento. Penso que, neste período, o país também tem passado por muitas transformações, sociais e políticas, e espero que possamos melhorar para que as futuras gerações tenham melhores condições de vida.
T. Joana Rebelo
F. Direitos Reservados