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· Indústria Agrícola
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Mário Lourenço Ribeiro

«Temos a ambição de ser um dos grandes players do nosso setor»

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Nasceu em Lisboa, mas não se ficou por terras lusas. Mário Ribeiro tem um percurso de vida curioso, tendo emigrado com os pais para Munique, quando tinha apenas 2 anos. Foi lá onde se formou em Economia, o ponto de partida para uma carreira próspera. O passo seguinte foi dado na área petrolífera, trabalhando 22 anos numa subsidiária da ESSO. Mais tarde, decide aventurar-se pelo país angolano. Fruto das andanças da vida, Mário nem sempre permanece em Angola, mas o destino, de alguma forma, volta a uni-lo à terra onde há 17 anos viu fixar a C. Woermann. O atual Diretor-Geral da C. Woermann Angola Lda. junta-se à V&G Industry numa conversa de experiências, factos e perspetivas.

Fale-nos um pouco de si, Mário. 
Nasci em Portugal, na capital. Quando tinha 2 anos, os meus pais decidiram emigrar para a Alemanha. Por isso, foi em Munique que comecei a minha carreira escolar, terminando com a formação que me deu o título de economista na Academia de Administração e Economia de Munique. A minha primeira experiência profissional foi adquirida na área petrolífera. Trabalhei durante 22 anos numa subsidiária da ESSO, onde assumi a responsabilidade enquanto CFO, nos últimos oito anos em que lá estive. Depois disso, aceitei pela primeira vez um desafio no estrangeiro e fui até Angola, para uma empresa alemã (GAUFF Engineering), assumindo o cargo de CFO e passando, mais tarde, a Diretor-Geral. Infelizmente, por motivos privados, deixei o meu cargo para ficar perto da família, na Alemanha. Durante esse período, fundei a filial alemã do grupo português MCA e administrei a mesma durante cinco anos. Desde 2018 que estou de volta a Angola, agora assumindo um novo desafio, numa área completamente diferente daquilo que tinha feito até ao momento. O Grupo C. Woermann foi fundado em 1837, em Hamburgo, onde até hoje a família Woermann e a família Kuppe coexistem como sócios da organização. Trata-se de uma empresa comercial que, já no século XIX, se mostrava dedicada ao continente africano na perspetiva de mercado principal. 

Há mais de 17 anos, a C. Woermann viu uma oportunidade para se fixar em Angola. Quais foram os fatores decisivos que a levaram a estabelecer-se no país?
O grupo C. Woermann sempre olhou para o continente africano como um mercado muito interessante e de grande potencial. Conhecemos África, todas as suas oportunidades e desafios, e, claro, continuamos à procura de novas oportunidades de negócio, bem como países que se encaixem no portefólio e visão do grupo. Angola já tinha chamado a nossa atenção muito antes do fim da guerra, em 2002. Foi apenas uma questão de tempo até tomarmos a decisão de nos instalarmos neste país e nascer, em 2005, a empresa C. Woermann Angola Lda. 

O grupo, na altura, já reunia vasta experiência no Gana e na Nigéria. De certa forma, esse traquejo permitiu uma melhor adaptação ao país angolano?
Claro que foi uma vantagem. No entanto, cada país é diferente e tem as suas peculiaridades, o que significa que é muito importante conhecer a diferença dos mercados para se ter sucesso. Como empresa comercial, somos, antes de tudo, uma entre muitas outras, por isso, é importante saber escolher os setores certos, através dos quais podemos contribuir com o nosso know-how e os nossos produtos. Em Angola, inicialmente, apostamos na construção civil e apoiamos o boom da época, com importações de máquinas e outros equipamentos de alta qualidade. Mais tarde, quando a construção civil quase parou, tivemos de nos adaptar à nova situação do mercado e procurar outras áreas de negócio. É muito importante, para uma casa comercial como a nossa, reconhecer atempadamente as necessidades dos mercados, de forma que nos possamos adaptar a elas. Hoje, estamos fortes e focados na agricultura, pelo que fornecemos os nossos produtos e serviços à maioria dos principais agricultores nacionais. 

Quais são os valores e a missão da entidade?
Os nossos valores e missão são os mesmos para todos os mercados em que atuamos. Queremos ser um motor da economia local, com o nosso know-how e serviços. Desejamos fornecer produtos de alta qualidade, a um preço adequado para as indústrias locais de produção e processamento, e, ainda, contribuir para um desenvolvimento sustentável. A criação de novos postos de trabalho, que preenchemos na sua maioria com especialistas nacionais qualificados, também é um fator importante para a empresa. Com o apoio da fundação familiar C. Woermann da matriz alemã, proporcionamos aos nossos colaboradores a possibilidade de prosseguirem os estudos, em várias áreas especializadas. Depois de finalizarem a formação, garantimos um emprego na empresa. Os nossos colaboradores são o nosso capital, são eles que dão a cara perante o cliente, representando a empresa.  

Descreva a atividade diária de um funcionário da C. Woermann.
Na C. Woermann, temos vários departamentos, onde estão especificados os processos de trabalho. Além da contabilidade e de um departamento de importação e logística, temos o departamento de vendas e de serviços técnicos. Os nossos técnicos dirigem-se aos clientes para fazerem reparações e serviços de manutenção nas máquinas de grande porte. Claro que também temos uma oficina especializada nas nossas instalações, aonde os consumidores podem entregar os seus pequenos dispositivos (berbequins, motosserras ou roçadeiras) para reparação e manutenção. Estamos orgulhosos do facto de, ao longo dos anos, termos formado uma grande parte do nosso pessoal, que é 100% nacional. Tentamos manter o padrão de qualidade o mais elevado possível, com ações de formação anuais.

«Queremos ser um motor da economia local»
Como define o core business da empresa?
Ao longo dos últimos quatro anos, construímos à volta do setor agrícola uma reputação: a de oferecer produtos inovadores e confiáveis. Também podemos apontar para uma série de projetos agrícola concluídos, embora tenhamos sempre de ser flexíveis, olhando para outros setores do mercado. Com a representação exclusiva de algumas marcas de primeira linha, como STIHL, SAME, LIQUI-MOLY e JOST, atuamos como uma empresa comercial confiável, que importa e vende produtos de alta qualidade para o mercado angolano, oferecendo serviços pós-venda acima da norma.  

A C. Woermann Angola tem uma vasta experiência em dimensionar, configurar e realizar sistemas para clientes industriais. A tecnologia é, portanto, uma ferramenta que caminha lado a lado com a empresa?
Sim. De facto, o desenvolvimento técnico nas áreas de produtos individuais é fundamental para nós, como grossistas. Temos de estar sempre a par com o desenvolvimento, para não desperdiçarmos as inovações técnicas nos vários setores em que atuamos e sem nunca perdermos de vista os mercados em que nos entrosamos. É a nossa obrigação assessorar os clientes, de acordo com seus objetivos e necessidades. Por exemplo, seria contraproducente aconselhar uma máquina mais recente de tecnologia avançada se não garantíssemos que pudessem utilizá-la de maneira sensata. O problema, geralmente, começa com o manuseio complexo, que pode acabar com a durabilidade, se não houver conhecimentos profundos por parte dos utilizadores. Não devemos também esquecer as condições extremas a que estes produtos, por vezes, estão expostos. Muitas vezes, o produto mecânico e simples torna-se a melhor solução, ao invés do dispositivo eletrónico e sensível. São estes detalhes que levam muitos fabricantes a desenvolveram a sua própria linha de produtos para o continente africano, garantindo, assim, que os seus artigos correspondam aos requisitos de qualidade, mesmo sob condições extremas.  

Ao longo do percurso, a equipa viu-se obrigada a fazer ajustes nas áreas de atuação? 
Sim, isso é inevitável e não é incomum. Quando entramos em novos mercados, já temos uma visão clara das necessidades do mercado e do grupo-alvo, mas não nos podemos esquecer de que vivemos numa sociedade de ritmo e consumo rápidos. O que se procura hoje já pode estar desatualizado amanhã, podendo tornar-se um fracasso. Obviamente que isto não se aplica a todos os produtos, mas devemos sempre estar atentos de forma a nos podermos adaptar rapidamente à situação do mercado, bem como às necessidades e desejos dos clientes. Quem não fizer isso vai enfrentar, a curto/médio prazo, dificuldades em se manter no mercado. Aliás, isso aplica-se não só a produtos, como a serviços. 

A C. Woermann Angola já caminha em direção à liderança no mercado?
Sabemos o quão difícil é chegar ao topo e, mais difícil ainda, mantermo-nos lá em cima. Eu estaria a mentir se dissesse que não temos a ambição de ser um dos grandes players do nosso setor, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Já estamos em Angola há mais de 17 anos. Vivemos alguns altos e baixos. Começando pela crise financeira e acabando com a pandemia COVID-19, tivemos de sobreviver tempos bem complicados. Graças a um planeamento antecipado e a uma visão clara dos nossos sócios, conseguimos superar esses tempos difíceis e, até, crescer continuamente. Tivemos de adaptar a estrutura da empresa às circunstâncias e ajustarmo-nos à nova conjuntura do mercado. Do nosso ponto de vista, o ano de 2023 começou de forma muito dinâmica. Estamos muito otimistas. O país e o atual governo ainda têm bastantes desafios pela frente, que também dependerão de muitos fatores económicos. Nós estamos prontos a assumir a nossa parte neste desafio.

«O mercado (...) está saturado e os produtos baratos da China fazem parte da nova realidade»
O que faz de uma empresa uma referência nacional?
Clientes satisfeitos e uma política empresarial sustentável e orientada para o futuro. São os dois principais fatores, para mim. 

De que forma é que a empresa contribui para o desenvolvimento e crescimento sustentável do país?
Como já mencionei, pudemos vivenciar e acompanhar o boom da construção civil em Angola. Naquela época, a nossa principal competência era o fornecimento de máquinas para a construção civil e para o setor de energia. Entre 2006 e 2013, fornecemos centenas de geradores para edifícios públicos, como hospitais, escolas e outras instituições. Em 2009, garantimos o fornecimento de energia para a FILDA, com os nossos geradores. Apoiámos também a indústria da construção civil, com máquinas especializadas. Deparando-nos com o abrandamento do boom da construção, tivemos de nos adaptar e abrir novas áreas de negócio. Com o novo foco na agricultura, dedicamo-nos a um setor muito importante para este país. Queremos contribuir para o necessário desenvolvimento deste ramo da economia angolana, de forma sustentável. 

Ainda se vivem «tempos dourados» em Angola? 
Infelizmente, esses tempos já acabaram há muitos anos e creio que não voltarão da mesma forma. A situação do mercado mudou nos últimos dez anos, por completo. Antes, era apenas um mercado de distribuição, hoje, o produto tem de ser vendido ao cliente, devido ao aumento de concorrência e excesso de oferta. Há dez anos, o preço não era o fator principal da compra. O foco incidia na disponibilidade rápida, pela qual os clientes pagavam bem, com margens excecionais. Esses dias acabaram. O mercado, em algumas áreas, está saturado e os produtos baratos da China fazem parte da nova realidade. O poder de compra no país caiu significativamente, trazendo de volta a existência de produtos com preços atraentes, de fabricantes baratos. Claro que ainda existem clientes que apreciam e procuram qualidade, mas, infelizmente, são cada vez menos os que podem ou querem pagar por ela. Para uma casa comercial como a Woermann, que tem como core business a venda de marcas premium, é um desafio encontrar o meio termo. 

Atualmente, quais são os maiores obstáculos ao desenvolvimento do país, a nível económico e social?
O país e o governo ainda têm tarefas desafiantes para resolver. Do ponto de vista económico, Angola precisa de se livrar da alta dependência da indústria petrolífera, o mais rápido possível. Sobre a necessidade da diversificação da economia também já se fala há bastante tempo, mas na prática ainda não se nota o impacto das medidas tomadas pelo governo. O maior problema social, e isso é bem visível numa das populações mais jovens do mundo, é a educação e a formação. Há falta de instituições escolares e professores e, mesmo que haja a oportunidade de se formar na escola e de ter um diploma, a pessoa não encontrará um emprego adequado. A taxa de desemprego é superior a 35%, sendo o número de casos não notificados superior. Esta situação deve ser melhorada, urgentemente. Acima de tudo, a população jovem precisa de uma visão, de uma luz no fim do túnel, para que não perca o ânimo ou desista por completo. São eles o futuro de Angola!
T. Joana Rebelo
F. Edson Azevedo