Villas&Golfe Angola
· Gestora, Fundadora Raízes Cruzadas  · · T. Joana Rebelo · F. Direitos Reservados

Paula Tavares

«Eu sou angolana e a minha luta é ao lado deste povo»

PMMEDIA Pub.
No universo da decoração de interiores, assina Raízes Cruzadas. É ela, Paula Tavares, a mulher de origem portuguesa, com coração angolano. A história é inspiradora, se olharmos ao caminho traçado em território angolano ao longo de 30 anos. Tal como diria, não bastou sonhar ou criar, mas de Angola colheu frutos. Assume-se como uma «pessoa de consensos» a tempo inteiro e é na pintura que vê um escape à vida mundana. Chegou a vez de Paula, a empreendedora que cria projetos com raízes que se unem pelo mundo fora.   

O que é que a levou a sair de Portugal e a aventurar-se por Angola?
Eu sempre tive um intenso fascínio por África, mesmo sem conhecer. Comecei por ser atraída pelas cores profundas das paisagens e do entardecer, que nunca tinha visto no hemisfério norte. Depois, os sons da música, o ritmo que nos tira do lugar. Li sobre Angolas distintas, embora todas elas pulsantes e cheias de magia. Até ao dia em que recebi um convite para abraçar um projeto dentro da minha maior paixão, altura em que decidi materializar aquilo que Fernando Pessoa escreveu: «Põe quanto és / No mínimo que fazes». De malas feitas, parti em busca de um novo sentido, com alma aberta para conhecer um novo país: Angola. 

Já em território angolano, cria a Raízes Cruzadas, uma marca assente na decoração de interiores...
A marca Raízes Cruzadas é fruto da bagagem de mais de 30 anos em contexto angolano. Passei por magníficas experiências, tais como lidar com materiais tão nobres como a madeira angolana, através da qual fui capaz de me fundir em todas as novas dimensões e, inclusive, crescer dentro delas. A Raízes Cruzadas é uma outra forma de perspetivar Angola e o seu potencial e, de facto, o país tem bons artesãos; prova disso é o trabalho que produzo através da mão de obra angolana. Todos os artigos que são produzidos têm alma e contam histórias, sem esquecer que espelham o que de bom tem o país. 

Cria um design muito próprio, a partir dos seus projetos. Se o pudesse definir, como seria?
design nasce da observação, do desafio e da coragem de fazer novas experiências com materiais impensáveis, desconstruindo o óbvio e questionando se colocaríamos (ou não) essa peça dentro de casa. Não basta criar. Neste seguimento, eu gosto de definir as minhas peças como poesia que acrescenta conforto, que possibilita ter novas experiências visuais e estéticas, que acolhe com afeto, permitindo construir harmonia interior. É necessário que a criação flua em nós e de nós para os outros, tal como a poesia.  

Vê talento no povo angolano? Se sim, de que forma contribui para o dinamizar?
Sim. É um povo sofrido e sem acesso à abundância, mas que se reinventa e retira de si o melhor que tem. Um povo que não abdica das suas tradições e que tem um imenso amor pela terra que o viu nascer. Eu não teria recebido, em lugar algum do mundo, o que recebi aqui e, por isso, cá permaneci, recebendo esta nacionalidade com tamanho orgulho. A forma de eu devolver todo o amor, solidariedade, fraternidade e proteção que me foram dadas é, de facto, tomando conta dos meus colaboradores, vendo-os como família. Tenho consciência da sorte que tenho em produzir numa realidade tão rica em experiências ancestrais, no seio de uma cultura em que as vozes cantam com as mãos que produzem.

«O país tem bons artesãos»
Apesar dos desafios atuais, acredita que a economia angolana está cada vez mais aberta ao mundo?
Infelizmente, a última década tem sido atribulada do ponto de vista económico. Muitas das alterações ocorridas tiveram um impacto negativo na produtividade, tal como a enorme dependência externa dos produtos, que não ajuda. Há que ter resiliência e uma tremenda imaginação para conseguir alcançar a excelência. O meu desejo é que a economia angolana se fortaleça e se torne, de facto, robusta. 

As suas origens são portuguesas, mas Angola é quem carrega ao peito?
Repare, nós nunca conseguimos estar longe do sítio onde nascemos, seja pelas relações familiares, os lugares da infância, as experiências de vida ou os pais. Mas não posso deixar de confirmar que, no dia a dia, eu sou angolana e a minha luta é ao lado deste povo, no sentido de ajudar a construir um país onde prevaleça o bem-estar social, de forma universal. 

Ser mulher alguma vez a limitou?
Não. Nem aqui, nem em Portugal. Sempre fui uma mulher fortalecida pela educação que recebi da minha mãe, desde ser independente a ter ideias próprias, e pelo meu pai, que me transmitiu honra e ética. Já em Angola, as mulheres têm força e transmitem-na umas às outras. Vivendo aqui há tantos anos, posso dizer que tenho imensas manas (filhas de outras mães), com quem partilho e de quem recebo experiências que me transmitem uma sensação de pertença.  

Sente que Angola moldou a pessoa que é hoje?
Sem dúvida. Nós somos fruto das nossas experiências. Angola é, definitivamente, a maior evidência do que sou hoje, da pessoa em que me tornei, dos afetos que tenho e da bondade intrínseca que existe na maioria dos que não foram contaminadas pelo individualismo, pelo desviar do olhar, pela indiferença. Tento ser, todos os dias, o melhor de mim, jornada essa que a pintura despoletou. Também me fascina a vertente da culinária, onde entre tachos e aventais reproduzo as receitas da minha querida avó, numa casa sempre repleta de amigos. Aqui, sinto-me em casa.
T. Joana Rebelo
F. Direitos Reservados